Os três domínios ou três formas que hoje correspondem ao que compreendemos como “geográfico”, ou seja, a qualidade de ser da Geografia. Pode-se dizer que o primeiro desses domínios é uma forma de sensibilidade, uma espécie de impressão causada pela dimensão espacial. Trata-se de uma capacidade de situar coisas no espaço e de nos situarmos nele, ou seja, de dirigirmos os movimentos do corpo no espaço. Corresponde, sobretudo, também à capacidade de saber se orientar, de constituir traçados entre coisas diversas que estão dispersas no espaço. O ser humano, antes mesmo de começar a refletir, é capaz de estender o braço para alcançar alguma coisa, de se deslocar na direção de algo. Por isso, podemos nos juntar a Kant (1724-1804) e dizer que a existência da dimensão espacial é anterior à percepção. Podemos perceber algo, pois esse algo está apartado de nós, mas dividimos com ele um mesmo plano de existência; nesse caso, um mesmo espaço. Igual propósito pode ser afirmado em relação ao tempo e, por isso, essas duas categorias, espaço e tempo, são na Estética Transcendental kantiana categorias a priori do conhecimento. Essa sensibilidade espacial é simples de perceber nos outros animais a quem, em geral, não atribuímos nenhuma capacidade de reflexão, e essa “sensibilidade” é concebida, sem muitos problemas, como um atributo atávico. Animais sabem se orientar, deslocam-se em busca de água, de alimentos ou de melhores condições climáticas sazonais. Nesses deslocamentos, estabelecem rotas, conhecem direções, instituem destinos com precisão. Os exemplos são inúmeros, grandes mamíferos, pássaros, insetos, peixes, todos dividem essa mesma capacidade, essa mesma sensibilidade. Na espécie humana temos dificuldade de isolar o que se deve exclusivamente a essa sensibilidade, pois há um segundo domínio que se desenvolve e, em virtude de estarem tão amalgamados, não conseguimos distinguir o que seria apenas atribuível à pura sensibilidade.3 A esse segundo domínio ao qual também unimos o nome de Geografia corresponde uma forma de inteligência. Na espécie humana, o desenvolvimento da cultura faz essa inteligência espacial compor um conjunto de conhecimentos que são estabilizados e transmitidos. Como nos ensina Bosi (1936-), a ideia de cultura em suas origens significou o enraizamento dos grupos humanos à terra, o que podemos traduzir como um sistema de posições sedentarizadas (Bosi, 1992). Desde os mais primitivos e recuados grupamentos humanos, temos o desenvolvimento de comportamentos espaciais aos quais podemos atribuir o nome de Geografia. Esses grupos estabelecem qualificações, classificações dos espaços, roteiros, delimitações e, sobretudo, localizações. A denominação assim conferida como geografia traduz o conhecimento que esses grupos humanos detêm do ambiente onde vivem. Tal conhecimento é fundado pelas respostas simples à pergunta construída a partir do advérbio interrogativo onde. A justo título dizemos, pois, a Geografia dos Ianomâmis, a dos Maoris, dos Massais, dos Inuits etc., e a expressão geografia assim se refere nesse caso ao conjunto articulado de conhecimentos e comportamentos espaciais que são vividos e dão forma a esses grupos sociais. Alguns geógrafos denominam essas geografias como vernaculares (Claval, 2001).4 O terceiro domínio para o qual usamos essa designação de Geografia é o ramo do conhecimento que, desde um passado remoto, se consagra ao estudo e à especulação sobre as causas e formas de entendimento da dispersão. Dito de outra forma, essa Geografia é o campo ou área de interesse que reúne inúmeras tradições, todas preocupadas em responder à questão do porquê da lógica das localizações, seja ela ordenada pelos elementos naturais ou pelos humanos. No mundo moderno, esse ramo do conhecimento se estabilizou sob a denominação de Geografia e corresponde ao que concebemos como a ciência geográfica. Ao se institucionalizar, houve a regularização dos protocolos de pesquisa, dos temas mais correntes, dos procedimentos mais aceitos, entre outras características que moldam e dão unidade à área do conhecimento. A despeito de muitas discussões acerca da melhor definição dessa Geografia, é possível certo consenso entre os geógrafos quando dizemos que nossa curiosidade se dirige para produzir explicações sobre os sistemas de lugares. As maiores dúvidas são de natureza teórico-metodológica, ou seja, discute-se muito mais sobre os caminhos necessários para obter bons resultados em vez de propriamente sobre o que nos reúne em torno dessa denominação, o interesse comum sobre a dimensão espacial dos fenômenos. Em outras palavras, diríamos que a Geografia é o campo de estudos que interpreta as razões pelas quais coisas diversas estão situadas em posições diferentes ou por que as situações espaciais diversas podem explicar qualidades diferentes de objetos, coisas, pessoas e fenômenos. Trata-se de uma forma de construir questões, ou seja, a curiosidade de saber em que medida o sistema de localização pode ser um elemento explicativo. Evidentemente, a discussão metodológica não deixa de incidir sobre a delimitação e os temas que devem ser abordados e, nesse sentido, age também sobre a leitura que fazemos da essência dessa ciência geográfica em diferentes momentos e orientações.
Extraído: Gomes, Paulo Cesar da Costa G616q Quadros geográficos [recurso eletrônico]: uma forma de ver, uma forma de pensar / Paulo Cesar da Costa Gomes. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017.
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Crédito
Sou formado em História e em Geografia, com a conclusão do curso de Geografia em 2018. Minha trajetória docente começou em 2002, quando fui chamado pela Secretaria de Educação para atuar como contratado na rede estadual, lecionando em cursos pré-vestibulares. Em 2005, fui aprovado em concurso público, mas, apesar disso, permaneci com contrato. Desde então, atuei em diversas disciplinas, mas atualmente minha atuação está focada em Geografia, no Ensino Fundamental.
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